quarta-feira, 13 de abril de 2011

O Sheik Manso de Moema em “Cara, Cadê meu celular?”

Anos haviam se passado desde a última gemada com a Ofélia. Suas aventuras culinárias do mundo televisivo já não pertenciam mais a um passado tão recente, assim como suas noitadas bancadas pelo Doutor Assis. Abelardo Trenttini já estava em outra, fora do mundo dos links, dos pontos eletrônicas, das câmeras, das fitas BETA..... Ele hoje trabalhava em uma grande empresa especializada em imagem pública.

Com clientes importantes, Trenttini é conhecido por sempre colocar suas pautas numa grande emissora do país. Não importava o tema, ele sempre garantia um repórter dessa emissora no evento. E isso foi criando uma ciumeira entre as outras emissoras. Trenttini era sempre visto ao celular, dia e noite. E do outro lado da linha, sempre alguém dessa grande emissora.

Durante uma festa de diretores de TVs, regada a uísque 12 anos e vinho verde, Trenttini teve um reencontro com seu antigo “eu”. Na presença de grandes amigos da época de TV, o sheik manso se esbaldou com bebidas e assistentes de palco da Programa do Gugu. No dia seguinte, acordado com a lambida de seu cachorro, Trenttini nem lembrava como havia chegado em casa.

O sheik já tomava café na cozinha de seu apartamento em Moema, zona sul de São Paulo, quando percebeu que algo estava errado. Já eram 11 horas da manhã, perto do jornal do meio-dia, e seu celular ainda não havia tocado. Foi quando ele gritou: “cara, cadê meu celular”. Sozinho em casa, claro, ninguém respondeu.

Desesperado, já havia revirado todo o apartamento e nada de encontrar o aparelho. Ele tentava lembrar de tudo que havia acontecido naquela noite, mas em vão. Tinha flashes da festa, das loiras versus morenas, mas nada do celular.

Ele chegou a procurar o celular na máquina de lavar. Havia lembrado de um ensinamento de seu amigo Manoel Clark Kent, que sempre dizia que era importante guardar o aparelho em cima da lavadora para não correr o risco de deixar o aparelho fora da área de serviço. Mas, foi em vão. Não estava lá.

Chegou no trabalho abatido, não pela ressaca, mas pela falta de comunicação com os amigos da TV.
Explicou para o chefe o que havia acontecido e disse que não poderia ficar sem celular. Não acreditou quando seu boss disse que só poderia fornecer um outro aparelho em, no mínimo, 15 dias. Ficou transtornado, tentou planos para reaver seu aparelho. No mais ousado de todos, ele combinou com um repórter de TV para questionar um de seus clientes ao vivo durante uma matéria sobre a possibilidade da compra de um novo celular para o Sheik.

O plano não surtiu efeito e seus contatos diários estavam cada vez mais distantes. Em um momento nostálgico, Trenttini lembrou do seu primeiro celular e da primeira saia justa causada por ele. Ele estava com uma assistente de palco do Faustão em um Motel quando seu telefone móvel tocou. Era a mulher do sheik, que assustado perguntou: “Carmita, como você sabia que eu estava aqui neste Motel?”

Inconformado, ele ligou para todos os contatos e explicou o ocorrido. Por onde ele passava, ele contava a história, cantarolando “Se liga se liga freguesia, celular é nas casas Bahia”.

Indo para casa, Sheik Manso encontrou uma bela loira na rua e como flash lembrou da jovem na festa da noite anterior. Ele viu que a menina desviou o olhar. Ao abordar a moça, Abelardo Trenttini percebeu que a garota estava nervosa. E não foi preciso pressioná-la para ele descobrir que na verdade o sumiço do celular fazia parte de uma trama elaborada pelas outras emissoras. Inconformadas com a preferência pela concorrência, a loira foi contratada para embebedá-lo e depois sumir com o aparelho do sheik.

Foi quando mais uma vez o velho sheik manso de Moema veio à tona, ele levou a bela loira para sua casa e prometeu ensinar uma receita de gemada que há anos fazia sucesso na TV brasileira. Assim como seduziu Ofélia e Palmirinha no passado, Trenttini serviu um banquete para a moça. Sem que ela percebesse, ele vasculhou sua bolsa e pegou seu celular de volta. Assim que a gata foi embora, imediatamente Trenttini pegou o celular e fez sua primeira chamada: "Alô, Tramonttina....”

O Sheik Manso de Moema em “Cara, Cadê meu celular?” é mais um conto da série Os Paulistas.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A garota do Púlpito - Parte 2 – O Encontro


Cansada de ficar trancada no quarto ouvindo a canção “Meu ex-amor” de Amado Batista, Carmem voltou ao trabalho. No carro ao som de “A gente vai se encontrar”, ela cantarolava: Você é o grande amor. De toda a minha vida. Mas não me preparou. Pra nossa despedida. E eu não posso impedir. O meu pranto de cair. Adeus, meu grande amor.”

Era a imagem do Ivan correndo do pai dela e cruzando a via Dutra a pé rumo ao Rio de Janeiro que não saia da cabeça da garota. Aquele brilho em seus olhos já não existia mais.

Já estava no escritório quando recebeu um telefonema do chefe, o próprio Amado Batista. Ele dizia que ela precisava viajar ao Rio de Janeiro naquele dia porque ele iria gravar uma participação no programa da Xuxa. “

“Da Xuxa?” exclamou alto a garota que já esboçava um novo sorriso.

Carmem não acreditava no que tinha ouvido, iria realizar um sonho de infância, conhecer a Xuxa. Ela sempre repetia aos amigos que o sonho de criança era poder tomar um café com a Xuxa e descer da nave com a rainha dos baixinhos. Ela sabia que nada disso mais era possível, mas iria conhecê-la.

A gravação correu como o esperado, Amado Batista cantou seus maiores sucessos e contou histórias de sua carreira. No fim do programa, Carmem e Xuxa se conheceram. A apresentadora se encantou com a simpatia da moça e a convidou para ajudar na organização de um evento beneficente.

Com a autorização do chefe Amado Batista, que sabia do sonho da menina, ela aceitou trabalhar no evento. Carmem nem lembrava mais quem era Ivan, com a música “Sonho Antigo” na cabeça, a moça voltou para São Paulo e começou a se preparar para o grande dia que trabalharia ao lado da Xuxa.

Ao som de “Lua de Cristal” sua grande participação e competência se destacaram na festa beneficente e saiu das páginas deste blog para as páginas do Jornal O Estado de São Paulo. Confira http://migre.me/4bXl6

Se você não achou a referência (abaixo da segunda foto) no link, eis em destaque na matéria:

O tempo passa, passa, até que, finalmente, por volta das das 22h, Xuxa desce a escadaria coberta por um tapete vermelho, de mãos dadas com seis crianças, ao som de Lua de Cristal.

"Gente, vocês vão ser chamados em blocos para fazer as fotos. O primeiro grupo vai, faz, volta. Se por acaso alguém não voltar, se der confusão, sinto muito, vamos ter de parar tudo, OK?", informa uma assessora loira de cabelo muito liso, magrinha, maquiada, que suspende nervosamente o tomara que caia preto cheio de franjinhas.

Em sua coreografia organizacional, a assessora parece uma...: "Meu sonho na infância era ser paquita", ela revela, entre uma bronca e outra nos jornalistas. "Até quebrei o queixo, ó (ela mostra uma cicatriz invisível), tentando dançar como elas. Escorreguei no sabonete".

 A garota do Púlpito - Parte 2 – O Encontro é mais um conto da série de "Os Paulistas".

quarta-feira, 30 de março de 2011

O turista da Bela Vista (Grande Anália Franco)

José Fernando Joaquim é um rapaz pacato, típico pai de família. Gosta de curtir os dois filhos e a esposa. Sua maior diversão é ir ao shopping, fazer compras, comer, pegar um filme infantil no cinema. Para sua sorte, pertinho da sua casa, na Bela Vista, há inúmeras opções. A que ele mais gosta é o shopping Anália Franco, que ele diz que praticamente vai a pé. Se quiser variar, pode visitar o Aricanduva, o Plaza Sul e o Center Norte – todos a um pulinho de sua casa.

Jornalista e antenado, recentemente, ele ficou muito contente com a notícia de que um novo empreendimento comercial estava prestes a ser inaugurado na Grande São Paulo: um mega shopping na Rodovia Raposo Tavares. Ao ler a notícia, nosso querido José Fernando Joaquim exclamou para sua mulher: “Olha, amor, que ótima notícia. Do lado da nossa casa!”

A esposa Tincia, que conhece o marido de longa data, apenas assentiu com a cabeça: “Claro, amor. Pertinho...”, disse com um sorriso amarelo, já pensando na longa viagem aos sábados e domingos. Amar é, antes de tudo, saber o momento de agradar o companheiro, refletiu a resignada esposa. Meu marido gosta de fazer turismo urbano, o que eu posso fazer?, acrescentou mentalmente.

Mas nem tudo é um mar de rosas na vida de José Fernando Joaquim. Nos últimos tempos, ele vem tendo duas grandes preocupações: uma no trabalho e outra em casa. Detentor de um típico nome-triplo, ele se deparou, de uns meses para cá, com a inconveniente situação de não ter como ser chamado. Vive uma intensa crise de personalidade. Ocorre que a Redação já tinha um José e um Joaquim e, há cerca de dois meses, contrataram um tal de Fernando.

Agora, toda vez que alguém quer se comunicar com nosso José Fernando Joaquim, há uma dificuldade de saber com quem a pessoa está efetivamente falando. O chefe diz: “Oh, José.” Antes mesmo de ele responder, o outro José, do outro lado da sala, se antecipa e diz: “Pois não.”  O chefe, então, esclarece: “não, eu to falando com o Fernando”. Eis que antes de ele poder atender ao chamado superior, o tal do cara-novo o atropela: “Pode falar.” Impaciente, o chefe apela: “Eu to falando com o Joaquim.” Já incomodado, nosso protagonista estufa o peito e faz até esboço de levantar para responder ao chefe, mas antes que ele o faça, é interrompido pelo outro Joaquim: “Opa, to aqui. O que precisa, chefinho querido?”

O chefe, homem muito ocupado, desiste da ordem que queria passar – na verdade, nem lembra. Enquanto tentava falar com o José Fernando Joaquim, foi chamado às pressas pelo governante da redação. Teve que sair correndo, deixando o enrosco dos nomes para trás.

A aflição em casa é ainda maior. Ocorre que, depois de uma militância árdua em assembléias de condomínio, ele conseguiu convencer os moradores do seu prédio – aquele, na região da grande Anália Franco – a não aderir à proposta de colocação de antena de operadora de celular no topo do edifício. “Isso aí traz doença e ainda danifica a estrutura do prédio”, bradava na reunião, para desespero da síndica, que via na antena uma possibilidade de aumentar a receita do condomínio. “Todo mundo fala que é um perigo! Sabe deus quantas doenças esses raios podem trazer para nós.”

Apesar da vitória, outro dia ele foi surpreendido com um comunicado colocado no elevador pela já desafeta síndica. Ela informava que, depois da resistência liderada pelo nosso Zé Joaquim, a operadora foi fazer a oferta para o prédio vizinho – que aceitou. Sem poder interferir, ele agora se vê em maus lençóis. O prédio vai ter que conviver com o efeito perigoso e incerto das ondas celulares, sem que isso ao menos represente diminuição nas contas no fim do mês. Vingativa, a síndica vai fazer questão de deixar isso bem claro aos moradores na próxima assembléia. É bom o nosso Zé começar a pensar em um bom lugar para se esconder – dos raios e dos vizinhos, doentes e doídos no bolso.

Já deixamos uma dica: que tal no shopping Anália Franco? Com certeza, nenhum vizinho pensará em procurar lá!

turista da Bela Vista é mais um conto da série Os Paulistas

quarta-feira, 16 de março de 2011

A garota do Púlpito

Atendendo a pedidos, Os Paulistas abrem novamente o espaço para as mulheres. Pois sem elas, as histórias perderiam a graça.


Carmem era uma garota encantadora. Com os brilhos nos olhos e o jeito de menina, chamava a atenção por onde passava. Simpática ao extremo, logo cresceu na profissão.

Carmem era a assessora de imprensa do cantor Amado Batista. Ela o acompanhava em seus shows e turnês e, claro, organizava a parte de imprensa.  Para onde ela ia, levava o púlpito que seria usado nas coletivas de imprensa. O objeto, que serve para encaixar os microfones e gravadores, já era praticamente uma pessoa da sua família.

Por falar em família, o pai de Carmem, um famoso general da Tropa de Choque dos Amigos dos Surfistas da Baixada Santista, sempre dizia a filha que se algum dia levasse um namorado em casa, ele o receberia com o armamento mais pesado que possuía. Carmem apenas sorria quando o pai falava isto e achava que era brincadeira.

Era comum o general Torres aparecer sem avisar nas coletivas ou no escritório do cantor apenas para conhecer os homens que trabalhavam com sua filha. Seus colegas de trabalho entendiam o recado e nenhum nunca ousou sequer em chamar Carmem para um café.

Certo dia, em um dos shows do Amado Batista no piscinão de Ramos, no Rio de Janeiro, Carmem estava armando o púlpito para a coletiva quando foi abordada por Ivan, um carioca sarado e fã de Amado Batista.

A química rolou naturalmente. Foi amor mesmo. Pareciam que se conheciam há anos. Trocaram telefone e no dia seguinte combinaram de se encontrar em Jacarepaguá. Tomando uma caipirinha de 51 em um bar, Ivan olhando nos olhos de Carmem cantou um trecho da música “Princesa” de Amado Batista:


Ao te ver pela primeira vez

Eu tremi todo

Uma coisa tomou conta
Do meu coração
Com esse olhar meigo de menina
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos

Derretida, ela o convidou para vir a São Paulo conhecer sua família. Eles cantavam juntos músicas de Amado Batista, como “Fruto do Nosso Amor”, “Menina Meu Amor”,  e “Olhos Verdes”:


esses olhos verdes

que olham pra mim

enfeitam seu rosto
e me deixam assim
  
No trajeto Carmem repetia inúmeras vezes que o pai era turrão, um general bravo, mas que tinha bom coração. Que ele não precisaria ficar preocupado. Era apenas tipo de mau que ele gostava de fazer.

 Quando Ivan chegou para conhecer o pai de Carmem, ele o aguardava com uma pistola. Tiros foram ouvidos. O rapaz saiu correndo e nunca mais pisou em São Paulo. O pai, orgulhoso, abriu uma garrafa de vinho e com um sorriso enorme contava à esposa: "Com a minha filhinha ninguém mexe". 

A vizinha conta que Carmem nunca mais viu o rapaz e que a música “Meu Ex-Amor” de Amado Batista não para de tocar do quarto da linda moça.


“Eu tive um amor

amor tão bonito,

daqueles que matam
com sabor de saudade,
meu ex-amor
tem coisas que a gente não esquece,
mas você não merece
tanta dor,
foi bonito demais
mas eu estou sozinho
foi rico de amor
e hoje estou tão só.”


A Garota do Púlpito é mais um conto da série Os Paulistas. 



quarta-feira, 2 de março de 2011

O sheik manso de Moema

Biógrafos têm dessas: gastam tempo demais com as fanfarrices de coronéis corruptos ou as estripulias de barões mulherengos e deixam de lado os pequenos notáveis. Parou para pensar numa sinfonia sem carregador de piano? Nesta semana, Os Paulistas é especialmente dedicado a contar a história de Abelardo Trenttini. “O sheik manso de Moema” é um personagem indispensável para a história da televisão brasileira. Pode-se dizer que sua vida está para a telinha assim como a ressaca está para o envazador de garrafas.

O começo da saga de nosso personagem é incerto, mas o que ninguém põe dúvida é na sua participação naquela noite de 3 de abril de 1950. Doutor Assis recebia convivas dos mais recônditos cantos do Brasil no saguão dos Diários Associados, na rua 7 de Abril, com toda a pompa e circunstância que a chegada da televisão representava. A festa rolava solta, mas Trenttini não tinha tempo para delongas. Ele era assistente de iluminação pleno 2 A, cargo especialmente criado pelo Doutor Assis para acomodar o suposto conterrâneo. “Bons contatos eu tenho. Se fizer um bom trabalho, me garanto”, Trenttini repetia para si mesmo enquanto ajeitava o pesado equipamento prestes a ser usado pela primeira vez. Trenttini já sonhava com o dia em que seria promovido a assistente de iluminação pleno 2 B.

O uísque 12 anos já deixava suas marcas pelo salão quando Abelardo foi surpreendido por um olhar feminino. Era uma coisa indubitável, daquelas que não remoem a menor desconfiança. “A senhorita Hebe cismou comigo”, resmungou sozinho. A futura dama das noites de segunda, famosas pelos selinhos nos convidados, foi direto ao ponto. “Quero ter contigo”. E assim foram às vias de fato, lá mesmo no prédio-sede do império de Doutor Assis.

Depois daquela longa e animada noite, Abelardo não teve dúvidas. Sua carreira teria um único rumo: os bastidores da televisão brasileira. E lá foi ele, trocando os pneus do Simca Chambord do Vigilante Rodoviário, decupando as fitas do Repórter Esso, envernizando as Portas da Esperança. Galgando posto acima de posto, pulou da Tupi para a Excelsior, da TVS para a Manchete. As mudanças, sempre para o alto, vieram na mesma velocidade com que as senhoritas lhe eram dóceis. Bastava estufar o peito e exibir aquele crachá com foto em preto e branco ao lado do logotipo da TV que não havia quem resistisse.

Tudo era festa – e quanto mais incendiária melhor. Chegou a trabalhar em duas emissoras para apaziguar o time feminino. Mas o melhor mesmo eram as manhãs de domingo. Trenttini não se continha tamanha a ansiedade pelas doces e suculentas manhãs de domingo! No final de semana, seu patrão tinha um programa longo, que ocupava mais de doze horas da programação do canal, que, aliás, era dele.

Havia uma infinidade de programas de auditório e, portanto, uma infinidade de lugares a serem preenchidos por mulheres bonitas. Trenttini driblava os recrutadores, fazendo sua própria triagem. “Venha fazer um misto quente lá em casa, depois te boto na primeira fila”. A escapadela não demorava meia hora, tamanha a volúpia de nosso personagem. Tão logo retornavam, a moçoila, já perfumada e de banho tomado, não só estava na primeira fila como ainda ganhava aviõezinhos de cruzados novos.

A fama foi se espalhando e Trenttini já era referência nas artes do baixo ventre. Dizem as más línguas que mesmo Fernandinha Moto-Serra e Ashley Boka-Loka fizeram questão de conhecer os predicados “daquele rapaz da televisão”. Só que nem tudo são flores nessa vida, e um dia o mundo resolve dar meia volta (com o perdão do trocadilho).

Certa feita, já tarde da noite, o expediente teve de se alongar por mais um tento, e não houve saída: “bora achar uma birosca para comer aquele rango”, ouviu-se em coro no estúdio. Sabe-se lá o que houve, talvez era mesmo muita chuva, mas o fato é que não acharam nem um churrasquinho grego para frear o estômago. Foi Trenttini quem deu a idéia: “vamos voltar, tenho um plano”. Chegando na emissora, nosso personagem abriu as portas de um estúdio diferente daquele onde trabalhavam. No começo, ninguém entendeu nada, mas, aos poucos, a solução mirabolante de Trenttini começava a fazer sentido. A trupe mataria a fome no estúdio da Ofélia! Estava tudo lá no estúdio da “musa” da culinária em 14 polegadas: panelas, pratos, talheres, ingredientes e até mesmo as receitas! “É claro que não vamos fazer leitão à pururuca agora que já é quase de manhã. Uma boa macarronada já quebra o galho”, resumiu o intrépido funcionário da TV – a esta altura, já um exímio diretor de imagem.

Logo o sol se levantou mas, sorte do grupo, nenhuma desconfiança veio junto. Passaram-se os dias e tudo transcorria bem, até que Abelardo Trenttini foi fazer valer diante de Glorinha, nova estagiária do RH. Foi um fracasso. A coisa não andou. Teve de sair apressado e culpar o chefe para evitar vexame maior. Pensou tratar-se de exceção, mas a coisa voltou a se repetir.

E repetiu-se tanto que teve de pedir socorro ao médico. “Doutor, nem frango assado, nem sorvete de creme! Nada me faz pedir um café e acender um cigarro”. Tomou remédio, fez terapia, pagou promessa, entrou na yoga. E nada. A fama que tanto lhe satisfazia já tinha cara de calendário do ano passado.

A vida seguiu. E Abelardo Trenttini não se deixou levar. Para compensar aquilo que lhe tiraram, passou a se cercar de belas mulheres. “É uma coisa meio marajá de Lisboa”, resumiu a um amigo, “tenho oito empregos e um salário”. Virou um sheik manso, um leão vegetariano, uma espécie de lobo a pastar tranqüilo, indiferente às ovelhas. Havia um harém a sua volta, mas apenas para o deleite visual. Assim, na falta de melhor diversão, aproveitou para fazer graça. “Deus é justo, mas essa tua saia!” repetia sempre que podia – ou não.

Dias desses, ao ler no jornal a coluna das fofocas, teve um estalo. Desses de dar tremedeira. Então rugiu: “Ofélia!”. Rugiu, não. Vociferou. E pôs-se a pensar que talvez todos aqueles anos no banco de reservas tenham origem naquela fatídica “noite da macarronada encantada”. Aquilo era veneno, concluiu.

Então não perdeu tempo. Foi tomar satisfação com a rainha da buchada de bode. Entrou escancarando as portas da TV Gazeta, invadiu o estúdio C e foi direto ao ponto: deu de dedo na mulher bem na hora de polvilhar a massa.

Aos berros, contou tim-tim por tim-tim o que lhe acontecera nos últimos anos. A angústia de atuar como gandula por tanto tempo. E eis que... Ouvindo tudo o que o Manso de Moema tinha a dizer, a dama da colher de pau não escondeu o sorriso no fundo da boca. “Tenho a tampa de sua panela. Venha buscar”, sussurrou Ofélia ao pé do ouvido de nosso personagem.

Fizeram gemada.

E não foi apenas a melhor gemada que Abelardo Trenttini já tinha feito, como também a primeira de muitas com Ofélia. E não só com Ofélia, mas com todo o harém que lhe rodeava.


O sheik manso de Moema é mais um conto da série de Os Paulistas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O fúnebre da Consolação


Claudecir não pertencia a nenhum grupo nem seita. Não gostava de filmes de terror nem achava graça ouvir histórias de fantasmas. Não era fã de Crepúsculo, Blade ou Van Helsing. Mas uma grande decepção amorosa fez com que o rapaz cultivasse um hábito um tanto quanto incomum: fanatismo por cemitérios.

Natural de Americana, uma das cidades satélite da Grande Pinhalzinho, Claudecir começou a ser mal visto na vizinhança pelo seu hábito incomum. Na verdade, ele jamais revelou que o seu gosto funesto era fruto de uma desilusão amorosa. Cansado da perseguição, o pobre resolveu mudar para a cidade grande. O destino escolhido, São Paulo, mais especificamente na região da Consolação, área conhecida pela grande concentração de cemitérios.

Diferentemente do que se imaginava, a devoção de Claudecir pelo mundo dos mortos não parou de crescer em São Paulo. Ao contrário, com acesso as mais recentes tecnologias, ele passou a difundir suas impressões do lar dos “pés juntos” nas redes sociais. No Orkut, criou a comunidade “Eu já tirei fotos no cemitério”, destinada a quem adora tirar fotos e andar por cemitérios. No facebook foi a “Cemitério, meu habitat natural”. Até mesmo no Linkedin, o pobre criou uma comunidade: Sematery Club.

Alguns amigos próximos, como o Muambeiro do Jabaquara, afirmam que o pobre tentou, sem sucesso, criar um perfil fúnebre num site de relacionamento, mas os resultados foram pouco produtivos. Já desgastado e desgostoso da vida por conta dessa mania solitária, Claudecir se entregou à bebida.

Foi nessa época que o rapaz chegou ao fundo do poço. Passava as noites vagando de bar em bar tomando todas, de Fogo Paulista a passe de mãe de santo. Quando era expulso de um bar, sentava-se no primeiro que avistasse a fim de continuar a bebedeira. Foi numa dessas vezes que Claudecir conheceu Afonso, um rapaz que assistir vídeos eróticos de rapazes como forma de terapia.

Com medo de chegar nesse ponto, Claudecir tentou uma última cartada: fazer um anúncio romântico na internet. Sua tentativa desesperada foi a criação de mais uma comunidade na internet, batizada carinhosamente de “Quero Casar no Cemitério”. Para muitos, mais uma ideia sem sentido, porém, o tempo provou que os amigos estavam errados. A comunidade se transformou num hit da internet com mais de 1.000 seguidores (http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=15103752)

Mais do que amigos, a comunidade rendeu a Claudecir uma paquera: Ivonete, que assinava com o singelo pseudônimo de Mortícia na comunidade. Dos passeios a luz do luar pelas alamedas dos mais variados cemitérios da cidade, nasceu um amor profundo que resultaria em casamento, que obviamente teria de ser realizado nas dependências de um cemitério. O pedido de casamento foi um caso à parte: num dia de finados, Claudecir pediu a mão da moça em casamento em pleno cemitério do Araçá. 


Para celebrar a data, ele oferece a Mortícia uma paçoquinha “Amor”, a preferida da moça. Ele disse a ela que guardava aquela guloseima há anos a espera da mulher amada. Isso era mentira, mas ela não precisava saber. Na verdade, Claudecir havia ganhado o doce de troco após o almoço no mortal restaurante Santa Helena.


Pedido feito e aceito, era a hora de acertar os detalhes para a celebração no cemitério. Mas o destino quis pregar uma peça no casal. Nenhuma administração dos cemitérios da capital autorizava essa sandice. Foi então que Claudecir teve uma ideia brilhante. Forjar uma festa em um cemitério e assim celebrar o casamento.

Com a ajuda de amigos engajados na vida pública, Claudecir conseguiu uma audiência com o prefeito de Americana e propôs a ele uma homenagem às bravas famílias norte-americanas que no século passado imigraram para a região. O chefe do poder público municipal achou ótima a ideia de homenagear os ancestrais e nem se deu conta que havia autorizado uma festa cemitério municipal.

De posse da autorização, Claudecir tratou de correr com os preparativos do casório, quero dizer, da festa em homenagem aos ancestrais. Trabalhou junto aos colegas de imprensa e conseguiu convencê-los a participarem da festa como repórteres, com direito a cinegrafista, fotógrafo e tudo mais.

Para justificar ao prefeito a festa, contratou algumas moças e as vestiu de Scarlet O’Hara. Elegantemente trajadas, as moças recepcionavam os convidados do noivo e da noiva. 


Além dos colegas de imprensa que chegaram a recepção devidamente uniformizados e com todo aparato tecnológico à disposição, os demais convidados também foram orientados a utilizar roupas de época, a fim de dar um ar nobre a festa. Com todo circo armado, Claudecir convocou o prefeito que chegou à festa e se espantou com tamanha repercussão. Nunca havia visto tanto jornalista e político juntos num mesmo ambiente sem que um não tivesse incomodando o outro

A cerimônia do casamento foi super simples, mas a festa foi um arraso. Todos os convidados, vestidos à caráter, dançaram quase até a morte ao som da DJ Vovó Mafalda que arrebentava nas pick-ups ao som de “Tumba Lá Catumba, Tumba Tá” e “Um Morto Muito Louco”, clássicos da juventude dos noivos.

"vamos mexer o esqueleto", “vamos beber até cair duro” eram alguns gritos que se ouvia durante a festa.

Ao final da cerimônia, o prefeito, ainda atordoado pelo sucesso da festa e um pouco alterado pelo excesso de drinks, abraçou efusivamente Claudecir e agradeceu ao jovem, afirmando que aquela festa entraria no calendário oficial de comemorações da cidade. Claudecir deu de ombros, achando que se tratava de uma brincadeira do prefeito e partiu para sua lua de mel no cemitério da Recoleta em Buenos Aires.

De volta ao Brasil, Claudecir foi nomeado assessor especial do prefeito para organização de festas e cerimônias oficiais. A festa no cemitério foi realmente incluída no calendário oficial da cidade sobre a alcunha de Festa dos Confederados, mas, na verdade, ela comemora uma só data: a união funesta de Claudecir e Mortícia.



O Funebre da Consolação é mais um conto de “Os Paulistas” baseado em uma história real:

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Curioso de Higienópolis


Manolo Cornélius van Braulius vem de uma típica família alemã originária de Pfalz, região produtora de vinho na Alemanha. Nascido em Joinville , um grande pólo econômico de Santa Catarina, Manolo se mudou para São Paulo depois que se formou na faculdade de fotografia.

Van Bráulio, como era chamado pelos colegas do sul, tinha uma característica muito marcante: a curiosidade. Em poucos meses em São Paulo já conhecia a cidade muito melhor que muitos paulistanos. Andava para cima e para baixo tirando fotos da cidade, conhecendo todos os cartões-postais e fazendo amigos. Esse sabia conhecer gente.

Sua curiosidade era tanta que vivia no Google. Quando ouvia alguém comentar algo ou lia alguma coisa interessante ou que não conhecia nos jornais, já buscava mais informações no site de busca. No Twitter seguia todos os tipos de pessoas desde Dalai Lama a Britney Spears. O objetivo era ter informações, conhecer o mundo e saber de quase tudo.

Uma vez ele viu no jornal a propaganda de uma feira erótica em São Paulo. A curiosidade tomou conta. Ele não se agüentou e convidou a esposa, Rebeka, para ir com ele. A princípio disse que seria apenas uma feira de artigos, como um sex shop. Chegando lá, se depararam com stands de lojas de artigos sexuais e com performances de garotas e garotos.

Curioso como sempre, Manolo parou em todas as stands e pegou informações de todos os produtos, sem contar com as fotos curiosas que tirava.  Quando chegou no galpão B que tinha performances de stripers e de gogo boys foi surpreendido com um pedido da esposa:

“Brau, vamos nos separar para conseguirmos ver todas as novidades dessa feira? A gente se encontra daqui a 2 horas no Café lá do estacionamento”

E assim foi, Manolo seguiu para o lado esquerdo da feira e Rebeka para o lado direito. Manolo não acreditava no que via, a cada passo naquela feira era uma novidade, uma performance, um joguinho. ..... Fotos e fotos tiradas. Nessa hora, ele já agradecia aos céus de sua esposa ter tido a idéia de se separar.

No corredor C do galpão, Manolo ouviu uma música de longe. Conforme ia andando pelo corredor o som ia ficando mais alto. Era uma batida de música eletrônica com gritaria feminina. Atrás da cortina vermelha um palco, um Zorro sem camisa e uma dezena de mulheres se estapeando para chegar perto.  Deu uma boa olhada na platéia e ficou aliviado por ver que sua esposa não estava por lá. Até bateu um arrependimento por ter perdido tanto tempo no stand 75, palco de stripers.

Curioso, Manolo ficou sentado observando o show, as mulheres enlouquecidas e a criatividade das fantasias daqueles homens sarados. Sem perceber a hora passar, ele já tinha descoberto no Google, via celular, que o striptease surgiu em 1917 nos Estados Unidos.

Enquanto isso, sua esposa cansada de esperar por Manolo no Café do estacionamento decidiu voltar para a feira para encontrar o marido perdido. Atraída pelo mesmo som vindo do fundo do corredor C, Rebeka entrou e viu seu marido sentado ao lado do palco observando a performance do bombeiro.

Sem acreditar no que via, vendo o interesse do maridão no show dos garotões, Rebeka enfurecida, pulou no palco, colocou notas na sunga do bombeiro e dançou ao lado do fortão por mais de 20 minutos. Foi o tempo que Manolo demorou para deixar de prestar atenção no movimento ao redor e nas informações do Google e perceber que sua esposa estava dançando no palco.  Curioso como é, Manolo Cornélius van Braulius decidiu ver como essa história terminaria, inclinou-se na cadeira, colocou o pé na cadeira da frente e viu o show até o final.

Hoje, Manolo e a esposa têm um segredinho.  De 15 em 15 dias, ele se veste de bombeiro, sobe em cima da cama e dança por horas para agradar a amada. Dizem os vizinhos que a música do Joe Cocker - You can leave you hat on  é tocada na altura máxima e que gritos como "tá pegando fogo" são ouvidos por toda a madrugada.

O Curioso de Higienópolis é mais um conto da série os Paulistas. 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O MARIDÃO DA VILA MARIANA

Mário era um cara bem tranquilo, 28 anos, casado e bom entendedor de política. Sempre de olho do D.O., nos jornais, nos programas de rádio e TV. Casado com Joyce, jornalista de um grande portal de notícias, estava sempre atualizado com as últimas do dia.

Ele passou por um momento de indefinição na sua vida, sem saber o rumo profissional a ser tomado. Seus patrões não sabiam se queriam continuar com ele e isso afetou muito seu jeito de ser. Começou a não ter horário para entrar no trabalho, batia o cartão e sumia. Segundo ele, era melhor não estar visível para não lembrar que queriam demiti-lo. Começou a trabalhar em um lugar escondido no estacionamento da empresa e também em uma das cabines do banheiro. Estava certo que essa era melhor alternativa, ficar “invisível”. Durante dois meses ele batia o cartão, mas ninguém o via na repartição.

E a fórmula funcionou, Mário foi mantido no emprego e viu seu colega de mesa ser dispensado. Estava radiante, mandou um email para todos os amigos para convidá-los para uma cervejada e comemorar o emprego mantido. Tudo estava voltando ao normal.

Ele só foi pego de surpresa quando soube que sua esposa foi enviada ao Rio de Janeiro para cobrir os trabalhos de resgate das vítimas das chuvas na região serrana. Com o caos que tomou conta da região, ela foi obrigada a se alojar no 18º Batalhão do Corpo de Bombeiros de Petrópolis. A corporação era conhecida como “Surfistas do Bem”, pois a grande maioria dos profissionais era composta por surfistas sarados e cheios de boas intenções.

Todos os dias, Mário acompanhava a cobertura feita pela esposa no site de notícias. Achava super bacana o trabalho de Joyce, mas também preocupado com os riscos de uma outra forte chuva.

Em uma dessas matérias publicadas, havia uma foto da repórter mostrando a área destruída pelas chuvas. Mário, observador que é, percebeu que a esposa saiu de "papagaio de pirata" no fundo da foto e viu dois roxos na esposa, um na perna e outra no braço.

Preocupado, imediatamente ligou para a esposa para saber se ela estava bem, se estava passando por alguma dificuldade. Questionada sobre os dois roxos no corpo, Joyce explicou que foi provocado pelo tenente Paulão, que a segurou quando ela quase caiu de uma ribanceira. “Ele salvou minha vida. Devo muito a ele”.

As chuvas deram uma trégua, o sol voltou a brilhar no Rio de Janeiro, os trabalhos de buscas já se encerraram, mas mesmo assim, dois meses depois, Joyce segue acampada no Batalhão do Corpo de Bombeiros sem data prevista para retornar a São Paulo. Ela mudou o foco de suas matérias, ao invés de cobrir as chuvas e mostrar o drama das famílias desabrigadas, a jovem jornalista agora só escreve sobre os atos heróicos do Batalhão e sobre a preparação destes profissionais para as situações de emergência. Vira e mexe Joyce está na academia com eles ou até mesmo fazendo uma sauninha com a turma após os treinamentos.

Para Mário, segue o consolo de que ela continua escrevendo sobre a força e a coragem dos bombeiros cariocas. Ele morre de orgulho dela. Na semana passada, em um jantar com os amigos, ele contou com um belo sorriso no rosto que Joyce, pelo trabalho realizado no Rio, recebeu um convite para se tornar correspondente do portal na cidade. “Esta é minha mulher, uma baita profissional. Faz qualquer coisa para emplacar uma boa matéria”. 


"O Maridão da Vila Mariana" é mais um conto da série "Os Paulistas".

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Sorriso de Interlagos

Gilberto era querido por toda a turma. Morador de Interlagos, na capital, colecionava amigos por onde ia. Um rapaz nobre e cativante. Quando se sentava em uma mesa de bar então era aquela farra, histórias e mais histórias engraçadas, sempre acompanhadas de uma boa cerveja gelada e uma porção de amendoim da marca Cabreras, sua preferida.

Em 2007, quando trabalhava em uma agência de comunicação, conheceu alguns “figuras” da cidade mineira de Quatro Pontas, um lugar bonito e harmônico no sul de Minas Gerais. O local, além de suas belezas naturais, é conhecido pela formação de grandes músicos.

Com a afinidade dos mineiros, não demorou muito para que Gilberto recebesse o primeiro convite dos amigos de Quatro Pontas para conhecer a cidade em um feriado prolongado. Ele ficou maravilhado pela hospitalidade, pela cultura e pelas amizades, que cada vez mais aumentavam.

Em sua nona ida a Quatro Pontas, Gilberto teve uma surpresa. Os amigos locais, muitos deles músicos amadores, tinham sido convidados para participar de uma gravação com nada mais nada menos de que Gilson Nascimento, um dos principais nomes da música popular brasileira. Gilson nasceu em Quatro Pontas e sempre teve um sonho de gravar um disco com os jovens da cidade.

E assim foi feito. Numa tarde de sol em cima de uma montanha, foi montado um pequeno estúdio ao ar livre e ali por longas horas Gilson Nascimento e os jovens músicos foram tocando e se entrosando. Gilberto também não ficou de fora e logo já cantava seus primeiros refrões com a turma: “amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves”.

Desde o começo do encontro, Gilson Nascimento havia demonstrado um carinho e um encanto enorme por Gilberto. Logo que o conheceu, já perguntou seu nome e sua idade. E as afinidades foram só aumentando durante a noite.

Numa certa hora da madrugada Gilberto e Gilson saíram juntos para comprar mais cerveja e fumar um cigarrinho de palha. O veterano da MPB queria mostrar sua cidade ao novato. Após 4 horas eles voltaram felizes da vida, rindo à toa e já até um pouco alterados alcoolicamente. Os amigos estranharam a demora da dupla, mas não comentaram nada.

E o tempo passou, mas a amizade de Gilberto e Gilson Nascimento não foi passageira. Eles continuaram se falando, sempre com o mesmo carinho do dia que se conheceram.

No final da última primavera, Gilson Nascimento lançou o seu novo álbum somente com músicas gravadas com os músicos de Quatro Pontas. Em um domingo de manhã, Gilberto recebeu o presente enviado pelo amigo em casa.

Ao abrir a caixa do CD, Gilberto se surpreendeu com a dedicatória impressa na capa: “Querido amigo, a faixa 7 – chamada Sorriso - eu fiz especialmente para você para comemorar aquela noite inesquecível”.

O Sorriso de Interlagos é mais um conto da série “Os Paulistas”

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Muambeiro do Jabaquara

Tudo foi acontecendo meio que sem querer na vida de Jobson. Aos 15 anos, na volta de uma viagem a Disney, ele se deparou com a primeira oportunidade de negociação. Com as malas cheias de muambas, ele se viu obrigado a se livrar de alguns itens para não entrar em conflito com seus pais.

Vendeu para um colega de classe um tênis Asics branco. Para o Toninho, da casa ao lado, ele negociou o moletom da Puma verde limão e o Mickey de pelúcia. Para ambos, ele jurou que estava vendendo pelo mesmo valor pago nos EUA e que ele não estaria ganhando nada com isso.

Aos 19 anos, Jobson ganhou uma nova viagem de férias como prêmio por ter entrado na faculdade. O roteiro incluía dois dias na Argentina antes de ir para os Estados Unidos. Nessas viagens, não pensou nele nem na família, foi para os maiores outlets das grandes marcas negociar preços. Comprou tênis, blusas, camisetas, jaquetas, relógios e óculos de marcas famosas.

Na sua volta, o papo com os amigos era o mesmo, que tinha comprado, mas ficou grande ou pequeno, ou que ia dar para alguém que não gostou. Enfim, conseguia convencer todos os amigos a comprar os produtos pelo preço estipulado. Que, segundo ele, era bem mais barato que o encontrado no Brasil.

Essas viagens ao exterior foram ganhando força. Não demorou para ele começar a receber encomendas e ser conhecido pelo nome por quase todos os vendedores das grandes marcas mundiais. Ele tinha um cartão especial de quase todas as marcas e recebia emails diários das promoções. Tinha amigos até mesmo nos aeroportos, o que facilitava muito o seu trabalho.

Uma vez chegou com uma camisa da seleção brasileira, de origem incerta,  autografada pelo Luis Fabiano e fez leilão com os amigos do trabalho. Como não conseguiu nem de perto o valor desejado, acabou vendendo para único colega que não teve coragem de recusar a oferta pela metade do preço.

Cara jovem, bom papo, Jobson também era bem atento com o que acontecia ao redor. E foi almoçando no trabalho que ele ouviu um papo na mesa ao lado que mostrou novas oportunidades de negócio. Era um aparelho que, conectado com a TV a cabo, conseguia abrir todos os canais pagos, como futebol, filmes pay-per-view e muito mais.

Ele não pensou duas vezes. No dia seguinte estava na Santa Ifigênia, região central de São Paulo, para comprar o aparelho. Não via a hora de fazer o teste em casa e ver se o produtor era bom mesmo. E realmente funcionou, todos os canais estavam realmente liberados.

Depois de um tempo assistindo Sexy Hot e For Man, resolveu traçar um plano para ganhar dinheiro com isso. Chamou todos os vizinhos do prédio para dar um pulo no apartamento e conferir a demonstração. Ele explicou que com uma assinatura simples da TV a cabo e esse aparelho, todos teriam canais de graça.

Dos 52 apartamentos do prédio, ele fechou 50 pedidos. Passou a mão no telefone e ligou para o Caveira da loja da Santa Ifigênia e fez a encomenda de 50 aparelhos. Na negociação, Jobson ganhou outros 5 aparelhos de graça, que logo vendeu na repartição onde trabalhava.

Com o passar das semanas, sua fama cresceu e ganhou o apelido do “Rei do GatoNet”. Em pouco mais de dois meses, já havia vendido aparelhos para todos os prédios da rua onde morava no Jabaquara. O dinheiro ganho já era o suficiente para ter um pouco de luxo e tranqüilidade.

A operadora de TV a cabo recebeu um enxurrada de ligações de pessoas querendo reduzir o plano vigente e estranhou o fato de todos serem do mesmo bairro. Enquanto, a direção da operadora organizava uma força-tarefa para tentar descobrir o real motivo dessas reduções de plano, Jobson já negociava os aparelhos na região do Paraíso, com ajuda de Laura e Letícia (as irmãs), e na Vila Maria, com o apoio do Web Designer.

Jobson começou a ter sua vida monitorada, seus telefones grampeados, suas correspondências violadas e até mesmo seus cartões internacionais passaram por uma auditoria. Com a prisão do Caveira na região central e a apreensão de 600 aparelhos – destaques de todo o noticiário – Jobson viu o cerco fechando e com apenas uma alternativa de fuga: ir para a cidade onde ele era tratado como rei, Americana, interior do Estado.

Lá todos conheciam e todos protegiam o garoto prodígio que desde cedo ganhava dinheiro negociando na cidade. Escondido no porta-malas do carro de seu amigo Matheus, chegou a Americana, onde adotou um novo nome e uma nova profissão. Às vezes se envolvia em algumas atividades um pouco suspeitas. Com o nome de Ataulfo, ela já mira um cargo de vereador na cidade.

Esse foi mais um conto da série de Os Paulistas. Não perca na próxima quarta-feira "O Sorriso de Interlagos".

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Nerd da Vila Mariana

Quando tinha três anos de idade, Edvaldo desmontou seu primeiro computador. Era uma parafernália enorme e de difícil entendimento. Aos seis anos desmontou e montou sua bicicleta Caloi 10 por 72 vezes. Seus pais já sabiam o presente que ele ia pedir no natal: uma caixa de ferramentas completa. O pedido foi o mesmo até os 15 anos de idade.


Hoje, Edvaldo não é mais aquele menino curioso da Vila Mariana, tornou-se um importante homem do segmento de colchões, mas sua paixão pela tecnologia continua a mesma, ou melhor, está cada vez maior. Edvaldo está para a tecnologia assim como o caldo de cana está para o pastel.


Casado há 10 anos com Ster, Edvaldo turbinou sua casa com o que há de melhor e mais avançado em tecnologia. São 5 laptops, 7 celulares, sons de última geração e uma coleção invejável de CDS, DVDs e discos de vinil. Como ele mesmo diz, suas paixões pela música e pela tecnologia se misturam com a sua própria história.


Ele não sai de casa sem o seu Tablet, Mp7,  fones de ouvido, entre outros equipamentos. Está ligado 24 horas, 7 dias da semana, 365 dias do ano. Seus funcionários da fábrica de colchão o admiram, mas não entendem como consegue ser tão “acelerado” e “pilhado”, principalmente na questão da tecnologia.


O seu fascínio e dedicação pelo trabalho são admiráveis, contudo, nos últimos tempos anda esquecendo um pouco da sua amásia, que fica carente e solitária pelos lados da Vila Mariana.


Edvaldo esqueceu completamente o seu último aniversário de casamento, pois ficou até tarde no trabalho e depois se prolongou na fila da loja da Fnac para comprar o último jogo do PS3.


Ster ficava magoada, irritada, mas aceitava a situação por ser completamente apaixonada por Edvaldo, mesmo passando por situações no mínimo esquisitas como no dia que “Ed”, apelido carinho assim chamado pela esposa, comprou um livro pela internet e o devorou lendo pelo próprio Tablet. Ele deitou na cama e ficou por 4 horas sem sequer dar uma palavra ou largar o “brinquedinho”.


Os anos foram se passando e nos dias de hoje Edvaldo está feliz e segue sua vida, só não entende a razão do Gilsão Silva, técnico da Net, ter ido fazer “reparos” na sua casa por nove vezes só neste mês.
Ao questionar Ster, ela apenas sorriu e com doces palavras respondeu: “O Virtua está caindo direto, você não quer chegar em casa e não ter internet, quer?  Edvaldo olhou nos olhos dela, sorriu e disse: “É claro que não, meu amor”.


Como Edvaldo esqueceu a data do seu casamento em 2010, para a comemoração deste ano Ster pediu um presente especial ao marido: quer que ele faça um showroom da loja de colchões na edícula de casa. Mas com a condição de que o mostruário tenha somente medidas king size para casal.


O Nerd da Vila Mariana é mais um conto da Série Os Paullistas. Na Semana que vem não perca  “O Muambeiro do Jabaquara”. 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Minotauro da Água Branca

Santelmo nasceu e foi criado em Barretos, uma região com tradição na lida com o gado. Passou boa parte da juventude observando a condescendência e a mansidão dos bois que pastavam naquelas paragens. Assim como a rês marcada, Santelmo carregou para a vida afetiva o que aprendeu observando aqueles espécimes de grandes chifres.

Sua infância foi como a de outros meninos traquinas da sua região. Corridas em volta do coreto da praça principal, coroinha de igreja, jogo de futebol no campinho da escola, trago em tocos de cigarro que pegava do chão e fumava escondido e, na parte sexual, iniciação com cabritas em beiradas de barranco. Já nessa época ficava intrigado com animais de chifre como o bode, que apenas observava suas peripécias.

Esforçado e com uma ideia fixa na mente, estudou com afinco para saber mais sobre os bovinos em particular. Passou no vestibular, e deixou Barretos para cursar zootecnia em outra cidade do interior paulista, em uma das melhores universidades públicas do Brasil. Foi lá, entre aventuras picantes, apetite voraz por situações sexuais bizarras e decepções amorosas que ele travou o primeiro encontro com uma lei da vida que era tão certa quanto as divinas Tábuas de Lei: quem não é, já foi ou ainda será chifrudo. Ferido, aprendeu a lição e aceitou resignadamente o “troféu” que lhe impuseram nas têmporas. Não seria uma coisa colocada na sua cabeça por outras (quiçá outros) que impediria seu projeto de vida. Com o ímpeto da juventude, tocou a vida adiante e seu projeto pessoal de vir morar e trabalhar em São Paulo.

Dali em diante tem início a metamorfose definitiva de Santelmo. Ainda nos tempos acadêmicos, conheceu a Mitologia Grega. Santelmo gostava particularmente da lenda do Minotauro. Admirava aquela criatura com a cabeça de touro sobre o corpo de um homem e identificou-se imediatamente com a história do Rei Minos de Creta. Entusiasmado com a épica história, pensou: “talvez seja Minos um dos primeiros cornos da história da humanidade”.

Apenas para situar o leitor, vale aqui parênteses: reza a lenda que, como forma de punir Minos por um desrespeito a Zeus, a deusa Afrodite fez com que Pasífae, mulher de Minos, se apaixonasse perdidamente por um touro vindo do mar, o Touro Cretense. Pasífae pediu então a Dédalo, notável inventor, que lhe construísse uma vaca de madeira para que ela pudesse se esconder no interior e então copular com o touro. Deste cruzamento nasceu o Minotauro. Fruto de união entre Homem e animal irracional, o Minotauro não tinha qualquer fonte natural de alimento e precisava devorar homens para sobreviver. Isto fez com que Santelmo também entendesse seus rompantes de erotismo com quem se dispusesse a saciá-lo naqueles loucos tempos da república Barretesão.

Em São Paulo, já reconhecido como excelente profissional em um frigorífico após defender com honras uma tese de mestrado, Santelmo não tardou a arranjar uma namorada. Apesar de estranhar algumas situações afetivas, achava que a vida em Sampa era assim mesmo. Era a terra da modernidade. Ficou interrogado de início, quando convidou a pretendida para férias a dois e ela prontamente recusou. Disse ela que já havia planejado um mochilão de 15 dias com Claudionor “tripé”, um amigão dos tempos da faculdade. Com a personalidade mansa cada vez mais estabelecida, Santelmo se calou. Preferiu o silêncio a entrar em rota de colisão com a amada. Só ficou preocupado quando ela retornou da viagem e disse que estava muito cansada e que amor entre ambos somente depois de 30 dias. Dizia ele que era cansaço mesmo, porque “ela estava superfeliz com a viagem que tinha feito”, justificava Santelmo para o amigo Iziel, um sujeito da Vila Madalena e grande amigo seu.

Numa dessas conversas com Iziel no Pacaembu, em meio a um jogo do Timão, Santelmo disse que realmente os tempos eram outros no Brasil. Época de Censo no país, ele admirava que o recenseador da sua região fosse tão comprometido com o trabalho. O servidor já havia visitado a casa de Santelmo oito vezes, sempre na sua ausência. Além disso, queria saber se Iziel também havia recebido um kit do Censo: toalha e um par de chinelos Rider, tudo com logotipo do IBGE. Feliz da vida, ao chegar em casa Santelmo sempre usava o material. Algumas vezes, Santelmo chegava mais cedo e estranhava o banheiro cheio de vapor, a toalha umedecida e o chinelo rider 47 ensopado na beira da cama. Mas nada disso importava para ele. Santelmo acreditava que chifre era invenção, coisa colocada na cabeça pelos outros. Estava coberto de razão.


Esse foi mais um conto da série “Os Paulistas”. Não percam na próxima quarta-feira "O Nerd da........."(o bairro será revelado aos poucos)....