sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O INOCENTE DA POMPÉIA

Egídio era o típico cara boa praça. Nascido e criado na Pompéia, o cara se sentia em casa quando passeava pelas ruas do bairro. Papo fácil, sempre tinha uma piadinha nova ou um trocadilho esperto para contar aos amigos:

- E aí Izael, tudo bem?

- Vamos abrir um negócio juntos?

- Uma fábrica de antenas. Eu fabrico e você vende.

- Tenho até um plano especial para você: você vende que eu te dou uma montada.

Egídio perdia o amigo, mas não a piada. Além do gosto por anedotas, Egídio tinha duas grandes paixões: a esposa Gabriele e o pastel de feira da banca do Toshiro em frente à sua casa. Ele  fazia questão absoluta de ir até lá todas as sextas-feiras para saborear aquela delícia. Por outro lado, Toshiro não gostava nem um pouco da presença de Egídio, parecia nutrir certa rivalidade com o cliente.

Egídio nem ligava para animosidade de Toshiro, fazia troça dela, ainda mais depois do nascimento de Juninho, seu primeiro filho. Egídio estava completamente bobo com a paternidade e não se importava com os comentários da vizinhança sobre a pouca semelhança entre ele e o filho. Nas raras vezes que se ofendeu com os comentários, disparou:

- É assim mesmo, menino sempre nasce mais parecido com a mãe.

O fato é que Juninho também não lembrava em nada Gabriele. Mas, enfim, o importante era o amor que Egídio tinha pelo filho. O amor era tanto que ele fazia questão de levar o menino à tira colo para todos os lugares que ia. E na primeira oportunidade que teve, levou o garoto com ele para saborear o pastel do Toshiro.

Mas aquele não seria um dia comum. Toshiro, que raramente sorria, abriu um largo sorriso ao ver Juninho, que tinha os cabelos negros, bem lisinhos e os olhos bem puxadinhos, parecidos com os de Toshiro, para falar bem a verdade. A alegria do japonês diante do pimpolho era contagiante. O oriental fez questão absoluta de brincar com a criança, que gargalhava como nunca diante do pasteleiro. Egídio achou estranho, mas consentiu. Afinal, tinha o maior orgulho do filhão.

Depois de alguns pastéis e muita gentileza de Toshiro, Egídio foi pagar a conta e mais uma vez foi surpreendido pela atitude do pasteleiro. Uma placa de madeira enorme em cima do balcão estampava a frase: “Fiado só para maiores de 80 e acompanhados dos pais”, mas mesmo radicalmente contra a boa e velha pindura, o pasteleiro se negou a receber o dinheiro de Egídio. Essa cena se repetiu mais algumas vezes, por coincidência, em todas elas Juninho estava presente.

Desconfiado das intenções e atitudes de Toshiro, Egídio decidiu largar o vício do pastel de feira e desde novembro deste ano não frequenta mais a banca do pasteleiro. Às sextas feiras agora, por indicação da esposa, Egídio é visto na tenda árabe do Salim, devorando os diferentes tipos de kibes servidos no local.

Dizem as más línguas que Egídio não é o único na família a se fartar com Samir. Mas Egídio ignora essas maledicências. Para ele, a alegria de saber que será pai mais uma vez é muito maior do que tudo isso.

Gabriele dará a luz em agosto do próximo ano - curiosamente 9 meses depois de Egídio conhecer Samir. O casal ainda não sabe o sexo da criança, mas Gabriele já decidiu que se for menina o nome será Munira e se for menino, Mohamed. Coincidência? Acho que não...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O ALCOÓLATRA DA SANTA CECÍLIA

O coração de Afonso era enorme. Vindo de uma família do interior de São Paulo, logo se destacou na sociedade paulistana. Com seu jeito amigável e até um pouco sem-noção, ele conquistava as pessoas com carinho e muitas vezes por tudo que podia falar e fazer sem pensar nas conseqüências. Original é um adjetivo pequeno para ele.
Após uma grande decepção amorosa, na qual se entregou de corpo e alma a Cinira sem ter sido correspondido, Afonso decidiu que moraria sozinho e curtiria a vida sem freios. Alugou um apartamento no bairro de Santa Cecília, no centro de São Paulo.
Afonso Hildemar desde adolescente foi um rapaz trabalhador e chegou a dar aulas de inglês no interior. Tinha facilidade para escrever e fazer amizades. Contudo, seu único e grande problema sempre foi o álcool. Desde criança pegou um gosto íntimo pela bebida e, conforme foram passando os anos, o consumo aumentou drasticamente.
Entre cenas bizarras, maluquices e acidentes causados pelo excesso da bebida, Afonso sempre se manteve firme na área profissional. Apesar disso, nos últimos tempos ele se sentia muito carente e tinha a impressão de que vivia para trabalhar.
Foi quando, em um desses dias, ao chegar em casa exausto e com raiva do trabalho começou a vasculhar sites de relacionamentos em busca de transsexuais, rapazes e aventuras sigilosas.
No canto direito da tela do site Sexy for Singles, Afonso se deparou com o link Just Boys. Ao clicar e ver os vídeos eróticos de garotões sarados, ele teve uma estranha sensação. Pegou uma dose de conhaque e por ali ficou nas duas horas seguintes olhando atentamente os detalhes vertiginosos de quem acabara de descobrir um caminho livre e antes nunca explorado.
Dali em diante foi assim. Virou uma rotina londrina. Ao chegar em casa, abria uma garrafa de Campari e corria para o computador para encontrar seus fiéis amigos. E ali ficava até se desestressar. Afonso tinha a sensação de que o ator que interpretava Rony, no filme “Big Carrot,” já conhecia há anos.
Para Afonso, os vídeos eróticos de rapazes que assistia, à noite, quando chegava em casa, valiam muito mais do que qualquer calmante natural ou até mesmo remédios tarja-preta.
Dizem os vizinhos e os colegas de trabalho que nos últimos tempos Afonso está muito mais calmo e de bem com a vida. E leva para onde vai um sorriso enorme no rosto.
O Alcoólatra da Santa Cecília é o terceiro conto da série “Os Paulistas”.
Não percam na próxima sexta “O Inocente da Pompéia”.

 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O WEB DESIGNER DA VILA MARIA

Wando era jornalista, pouco mais de 30 anos e vivia na Vila Maria, zona norte de São Paulo. Ele adorava as novidades tecnológicas, gostava de um celular de última geração e amava brincar no photoshop.

Tudo começou com uma brincadeira na repartição onde trabalhava. Divertia-se usando fotos de colegas de trabalho para produzir montagens no photoshop e publicar no Twitter. Vangloriava-se por isso. Tinha nas mãos uma arma que servia para tirar sarro de todos. Toda sexta-feira, uma montagem nova era publicada.


O hobby e a brincadeira interna do trabalho foram ganhando força. Sua reputação foi crescendo e não demorou para ele levar esse ramo de fotomontagem a sério. E foi numa sexta-feira, quando acabara de publicar a foto de um colega de trabalho como Mickey sendo algemado na Disney, que veio o grande convite. Ele foi chamado para fazer um curso de photoshop de seis meses no Acre. Sim, ele pensou exatamente isso: “o Acre existe”.


Foi para casa com esse convite na cabeça e pensando na melhor forma de contar à esposa. Afinal, ficaria seis meses longe dela.


Chegando em casa, nada mais do que a rotina do dia a dia. Foi recebido na porta por Cirlene, que já havia colocado a mesa do jantar. Entre uma garfada e outra, Wando resolveu contar a novidade. Ele ficou surpreso com o apoio que recebeu da esposa e de imediato começaram a planejar como seriam esses meses longe.


No dia marcado para a viagem, Wando, com seu um metro e noventa de altura, pegou sua mochila de rodinhas e foi para o aeroporto.


Os meses se passaram, Wando e a esposa se correspondiam por email, Twitter, Face, SMS, MSN.....


Com o fim do curso, Wando voltou para casa, onde foi recebido com muita festa pela esposa. Logo de cara, ele percebeu algo diferente nela, uma barriguinha meio saliente. Mas, nem ligou.


Com o passar dos dias, sua esposa dá a grande notícia: eles seriam pais. No dia seguinte, Wando leva a esposa ao médico que confirmou: ela estava entrando no quarto mês.


Ele ficou pálido. Como seria possível? Ele estava seis meses fora e ela com quatro meses de gestação. Bravo, questiona o doutor. O médico, amigo da esposa dos tempos de faculdade, conhecido naquela época como Paulão Pé de Jaca, pede para ele ficar calmo e explica:


- “Relaxa Wando. Isso pode acontecer. Existem espermatozóides que são tão fortes que são capazes de ficar meses no útero de uma pessoa sem fecundar”.


- Sério? Perguntou Wando surpreso.


- Sim, garantiu Paulão Pé de Jaca.


Durante meses, Wando contou essa história para os amigos e familiares. Todos ouviam com aquele sorriso amarelo no rosto.


Finalmente o dia do parto chegou. Wando e sua esposa correram para o hospital para o nascimento do primeiro filho. Após muita ansiedade, finalmente nasceu Wandinho. Um bebê lindo, loiro com olhos verdes. Pouco diferente do pai, com olhos e cabelos castanhos.


Na maternidade recebeu a visita de familiares e amigos, entre eles, o médico Paulão Pé de Jaca. Antes de ir embora, Paulão deu um forte abraço em Wando e com um sorriso no rosto disse: “ Wando, o verdadeiro pai é aquele quem cria”.


O Web Designer da Vila Maria é mais um capítulo da série “Os Paulistas”.


Na próxima sexta, não percam "O Alcoólatra da Santa Cecília", terceiro conto da série.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O CORNO DA VILA MADALENA

Sujeito inteligente, perspicaz, matuto. Corinthiano desde que nasceu. Foi passar um tempo no exterior junto de sua mulher, e após três anos de labuta a família retornou ao Brasil. Alugou um apartamento na Vila Madalena, em São Paulo.

Izael era um bom marido, um bom pai, mas tinha o costume de se prolongar até altas horas em bares e comemorações pós-jogo do seu time de coração.

A primeira vez que aconteceu ele não entendeu direito. Tinha ido tomar aquela “gelada” com seu fiel amigo da Pompéia (vocês conhecerão em outro conto) e chegou em casa duas horas após o horário combinado.

Ao entrar em seu apartamento, num dia quente de verão paulistano, abriu a geladeira e viu seis latas de cerveja da marca Bavaria. Ele achou estranho, pois não era e nunca foi sua marca preferida. Abaixo, em outro compartimento da geladeira, havia uma caixa de pizza fria, que também não entendeu o motivo de estar ali. Pizza era só no jantar aos domingos, mas no passado tinham ido visitar seus pais no Butantã. 

A surpresa maior foi quando entrou no seu quarto e se deparou com um chinelo Rider tamanho 44. Izael jamais usou nos pés chinelos que não fossem Havaianas. Além disso, o tamanho do seu calçado é número 40, 41.

Toalha molhada em cima da cama e um cheiro “forte” no ar. A sua esposa estava acabando de tomar banho quando Izael viu um vulto passando correndo pelo corredor. Sem intrigas e pensamentos mal intencionados, ele pegou uma cerveja, sentou no sofá e continuou a sua vida.

Desde então, quando chega em seu apartamento e percebe alguma movimentação estranha, ele vai à mercearia ao lado e faz um tempo por lá, até tudo se ajeitar.

O Corno da Vila Madalena é um dos personagens de “Os Paulistas”

Na próxima sexta, não percam "O Web Designer da Zona Norte", segundo conto da série.