quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O fúnebre da Consolação


Claudecir não pertencia a nenhum grupo nem seita. Não gostava de filmes de terror nem achava graça ouvir histórias de fantasmas. Não era fã de Crepúsculo, Blade ou Van Helsing. Mas uma grande decepção amorosa fez com que o rapaz cultivasse um hábito um tanto quanto incomum: fanatismo por cemitérios.

Natural de Americana, uma das cidades satélite da Grande Pinhalzinho, Claudecir começou a ser mal visto na vizinhança pelo seu hábito incomum. Na verdade, ele jamais revelou que o seu gosto funesto era fruto de uma desilusão amorosa. Cansado da perseguição, o pobre resolveu mudar para a cidade grande. O destino escolhido, São Paulo, mais especificamente na região da Consolação, área conhecida pela grande concentração de cemitérios.

Diferentemente do que se imaginava, a devoção de Claudecir pelo mundo dos mortos não parou de crescer em São Paulo. Ao contrário, com acesso as mais recentes tecnologias, ele passou a difundir suas impressões do lar dos “pés juntos” nas redes sociais. No Orkut, criou a comunidade “Eu já tirei fotos no cemitério”, destinada a quem adora tirar fotos e andar por cemitérios. No facebook foi a “Cemitério, meu habitat natural”. Até mesmo no Linkedin, o pobre criou uma comunidade: Sematery Club.

Alguns amigos próximos, como o Muambeiro do Jabaquara, afirmam que o pobre tentou, sem sucesso, criar um perfil fúnebre num site de relacionamento, mas os resultados foram pouco produtivos. Já desgastado e desgostoso da vida por conta dessa mania solitária, Claudecir se entregou à bebida.

Foi nessa época que o rapaz chegou ao fundo do poço. Passava as noites vagando de bar em bar tomando todas, de Fogo Paulista a passe de mãe de santo. Quando era expulso de um bar, sentava-se no primeiro que avistasse a fim de continuar a bebedeira. Foi numa dessas vezes que Claudecir conheceu Afonso, um rapaz que assistir vídeos eróticos de rapazes como forma de terapia.

Com medo de chegar nesse ponto, Claudecir tentou uma última cartada: fazer um anúncio romântico na internet. Sua tentativa desesperada foi a criação de mais uma comunidade na internet, batizada carinhosamente de “Quero Casar no Cemitério”. Para muitos, mais uma ideia sem sentido, porém, o tempo provou que os amigos estavam errados. A comunidade se transformou num hit da internet com mais de 1.000 seguidores (http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=15103752)

Mais do que amigos, a comunidade rendeu a Claudecir uma paquera: Ivonete, que assinava com o singelo pseudônimo de Mortícia na comunidade. Dos passeios a luz do luar pelas alamedas dos mais variados cemitérios da cidade, nasceu um amor profundo que resultaria em casamento, que obviamente teria de ser realizado nas dependências de um cemitério. O pedido de casamento foi um caso à parte: num dia de finados, Claudecir pediu a mão da moça em casamento em pleno cemitério do Araçá. 


Para celebrar a data, ele oferece a Mortícia uma paçoquinha “Amor”, a preferida da moça. Ele disse a ela que guardava aquela guloseima há anos a espera da mulher amada. Isso era mentira, mas ela não precisava saber. Na verdade, Claudecir havia ganhado o doce de troco após o almoço no mortal restaurante Santa Helena.


Pedido feito e aceito, era a hora de acertar os detalhes para a celebração no cemitério. Mas o destino quis pregar uma peça no casal. Nenhuma administração dos cemitérios da capital autorizava essa sandice. Foi então que Claudecir teve uma ideia brilhante. Forjar uma festa em um cemitério e assim celebrar o casamento.

Com a ajuda de amigos engajados na vida pública, Claudecir conseguiu uma audiência com o prefeito de Americana e propôs a ele uma homenagem às bravas famílias norte-americanas que no século passado imigraram para a região. O chefe do poder público municipal achou ótima a ideia de homenagear os ancestrais e nem se deu conta que havia autorizado uma festa cemitério municipal.

De posse da autorização, Claudecir tratou de correr com os preparativos do casório, quero dizer, da festa em homenagem aos ancestrais. Trabalhou junto aos colegas de imprensa e conseguiu convencê-los a participarem da festa como repórteres, com direito a cinegrafista, fotógrafo e tudo mais.

Para justificar ao prefeito a festa, contratou algumas moças e as vestiu de Scarlet O’Hara. Elegantemente trajadas, as moças recepcionavam os convidados do noivo e da noiva. 


Além dos colegas de imprensa que chegaram a recepção devidamente uniformizados e com todo aparato tecnológico à disposição, os demais convidados também foram orientados a utilizar roupas de época, a fim de dar um ar nobre a festa. Com todo circo armado, Claudecir convocou o prefeito que chegou à festa e se espantou com tamanha repercussão. Nunca havia visto tanto jornalista e político juntos num mesmo ambiente sem que um não tivesse incomodando o outro

A cerimônia do casamento foi super simples, mas a festa foi um arraso. Todos os convidados, vestidos à caráter, dançaram quase até a morte ao som da DJ Vovó Mafalda que arrebentava nas pick-ups ao som de “Tumba Lá Catumba, Tumba Tá” e “Um Morto Muito Louco”, clássicos da juventude dos noivos.

"vamos mexer o esqueleto", “vamos beber até cair duro” eram alguns gritos que se ouvia durante a festa.

Ao final da cerimônia, o prefeito, ainda atordoado pelo sucesso da festa e um pouco alterado pelo excesso de drinks, abraçou efusivamente Claudecir e agradeceu ao jovem, afirmando que aquela festa entraria no calendário oficial de comemorações da cidade. Claudecir deu de ombros, achando que se tratava de uma brincadeira do prefeito e partiu para sua lua de mel no cemitério da Recoleta em Buenos Aires.

De volta ao Brasil, Claudecir foi nomeado assessor especial do prefeito para organização de festas e cerimônias oficiais. A festa no cemitério foi realmente incluída no calendário oficial da cidade sobre a alcunha de Festa dos Confederados, mas, na verdade, ela comemora uma só data: a união funesta de Claudecir e Mortícia.



O Funebre da Consolação é mais um conto de “Os Paulistas” baseado em uma história real:

4 comentários:

  1. Meu Deus! Até onde vai essa imaginação!

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  2. O cara é bem fúnebre e vai passar a lua de mel e Buenos Aires. É alguma mensagem direta ou indireta?...rs

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  3. Nossa! Essas comunidades existem mesmo....kakaka
    Pior essa festa existe mesmo....kakakakaka
    Sensacional!

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  4. Fiquei com a música “Um Morto Muito Louco” na cabeça. Valeu Claudecir.....rs

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