quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Missivista de Perdizes


Mara Isabelita, assim como a maioria das meninas da sua idade, tinha um sonho: ser famosa. E, em busca de um lugar ao sol, a menina tentou de tudo: fez testes para tornar-se um mamífero da Parmalat, participou do concurso para ser uma das “Chiquititas”, foi bateristas de uma banda pop e até vídeos de inscrição no Big Brother ela gravou. Tudo em vão. A cada nova tentativa o estrelato parecia mais distante.

Se ainda era desconhecida do grande público, Isabelita era a tal no condomínio em que morava. A tal que não sabia dirigir. Sua pouca habilidade ao volante já tinha deixado marcas profundas na garagem do edifício e nos carros dos vizinhos, que não simpatizavam com ela. Mas nada abalava o firme propósito daquela menina e a certeza do sucesso permanecia.

Com o passar dos anos e o anonimato crescendo, Isabelita decidiu que era hora de tentar algo mais ousado e matriculou-se a faculdade de jornalismo. A despeito do sucesso nessa carreira ser pouco provável, a menina não se intimidou e batalhou ao longo de todo curso para tornar-se a melhor aluna da sala. O sonho era trabalhar na TV, mas, ao final dos quatro anos de faculdade, sua ligação mais próxima com o universo televisivo era uma assinatura da revista “Minha Novela”.

Diante do cenário pouco favorável, mas ainda com a certeza de que chegaria ao estrelato, Isabelita aceitou o convite de seu amigo Santelmo – aquele mesmo do conto “O Minotauro da Água Branca” -, para trabalhar na assessoria de imprensa de uma famosa marca de eletrodomésticos. Se não era o melhor trabalho do mundo, ao menos, a colocaria em contato com jornalistas que poderiam descobrir o seu real talento.

Isabelita encarou o desafio com determinação, mas a animação com o novo emprego foi rapidamente ceifada por Santelmo. O amigo, que nesse caso foi o amigo da onça, a escalou para responder as cartas e e-mails com reclamações de clientes. Aquilo era o fim para ela. Sem contato com a imprensa e diante das mais descabidas reclamações, a menina foi deixando a tristeza e a raiva tomarem conta do seu coração.

Até que numa bela tarde de outono, enquanto as folhas caiam lentamente sobre o gramado, Isabelita leu a réplica de uma carta de leitor explodiu num ataque de ódio e fúria. Os olhos, sempre dóceis e angelicais, transformaram-se em duas bolas de fogo que exalavam raiva de maneira visceral. Mordaz como nunca se viu, Isabelita passou a redigir uma resposta dura à missivista queixosa. Suas mãos, enfurecidas, agrediam o teclado com tamanha violência que era possível ouvir as batidas do outro lado da sala. Em poucos minutos, ela concluiu a resposta e, sem pestanejar ou consultar Santelmo, enviou a mesma ao jornal.

Aquele momento catártico, porém, deu lugar a um sentimento de culpa, afinal de contas àquela resposta, repleta de adjetivos pouco simpáticos, poderia lhe causar sérios problemas no trabalho. Num misto de alegria e angústia, Isabelita seguiu para casa, onde permaneceu insone até ouvir o barulho do entregador de jornal. Como um raio, a jovem correu até a porta e abriu o jornal na seção de cartas do leitor. Antes de ler, ainda de olhos fechados, Isabelita pensou: “Não, eles não publicariam uma resposta como aquela”. A doce ilusão da menina não durou mais que um segundo, ao centrar os olhos no jornal, de pronto, encontrou a carta publicada no alto da página com um destaque considerável.

Antes que pudesse se preocupar com o futuro, uma sensação de prazer tomou conta de Isabelita, afinal de contas era a primeira vez que via o seu nome publicado no jornal de maior circulação do país. A menina teve ali a certeza de que o anonimato era coisa do passado e que, finalmente, alcançara o estrelato.

Sem conter a alegria, Isabelita seguiu para o trabalho e, antes mesmo que Santelmo pudesse falar alguma coisa, pediu demissão também sem reprimir suas emoções. Ainda desfrutando das benesses do estrelato, Isabelita voltou para casa, onde começou uma nova vida.

Desde então, ela passa os dias respondendo cartas de leitores dos principais jornais do país. Quem ousa desafiar Isabelita, seja uma professorinha do interior ou um político consagrado, torna-se vítima do seu texto ácido, cortante e nada elogioso. Hoje, já uma celebridade do painel do leitor, a menina repete para quem quiser ouvir: ”Nunca contrarie Isabelita, a missivista de Perdizes”

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